Segundo um psicólogo da Universidade de Harvard, a inteligência é multifacetada e semelhante à sua impressão digital, sendo por isso única. Ter facilidade em fazer cálculos matemáticos complexos não é sinónimo de que se é mais inteligente do que alguém com uma musicalidade apurada ou do que um talentoso jogador de futebol. O mesmo será dizer que Stephen Hawking não seria necessariamente mais inteligente do que Ryuichi Sakamoto ou Cristiano Ronaldo.
O que está em causa não é em que lugar do ranking da inteligência está cada um, mas o tipo de inteligência que neles se destaca. É por este caminho que nos conduz a teoria das inteligências múltiplas, desenvolvida na década de 1980 por uma equipa da Universidade de Harvard, em Cambridge, no Massachusetts, nos EUA, liderada por Howard Gardner, psicólogo cognitivo.
Resultado da investigação na área da biologia evolutiva, das neurociências e da antropologia e baseada em estudos psicológicos e psicométricos de prodígios e savants, a teoria, que não é consensual entre a comunidade científica, defende que temos oito tipos de inteligência. Especialistas em psicologia da Universidade Lusíada dão-nos ferramentas para as identificarmos e/ou desenvolvermos.
1. Inteligência linguística
É “a capacidade de analisar informação e de criar produtos que envolvem a linguagem escrita e oral, como livros e discursos”, descreve Howard Gardner. António Rebelo, psicólogo, explica que “a língua é uma das manifestações do pensamento”. “É graças às nossas capacidades linguísticas que conhecemos a mente dos outros e nos expressamos”, sublinha ainda. Sem ela, nunca teríamos chegado à sociedade global.
A sua está apurada se:
– Constrói estruturas formais do pensamento através da palavra.
– Tem facilidade de comunicação oral e escrita. Utiliza as palavras certas para dizer o que pretende.
– Faz uma boa ligação das ideias e é eficaz na forma como as expõe.
– Tem perícia na capacidade de planear, monitorizar, tomar a direção do discurso e avaliar.
– Procura significados e desenvolve o pensamento crítico.
– Gosta de ler e escrever.
– Revela mestria na resolução de problemas, tomadas de decisão pragmáticas e raciocínio crítico.
A facilidade de comunicação ajuda-nos a atingir objetivos. Como sublinha António Rebelo, “ao formar um pensamento através da língua, elaboramos um conjunto de regras que, depois, nos ajudará na forma como devemos lidar com as situações laborais e sociais”. Se quer aperfeiçoá-la, leia e passe os seus pensamentos para o papel.
“O conjunto de processos de materialização do pensamento, lexicalização e compreensão de palavras dá origem e desenvolve a destreza linguística. Quanto mais a nossa mente trabalhar sobre conceitos, estimulados pela leitura e pela escrita, maior será o seu desenvolvimento”, indica o especialista.
2. Inteligência logico-matemática
Não é igual à anterior. “Envolve o uso e a apreciação de relações abstratas, assente na aptidão para aprender e aplicar relações, nomeadamente com números, princípios, quantidades ou símbolos”, descreve José António Carochinho, psicólogo social. A sua está apurada se:
– Aprecia a resolução de problemas e atividades de cálculo.
– Gosta de raciocínio abstrato.
– É precisa, rigorosa e organizada.
– Nas operações, utiliza uma estrutura lógica de raciocínio.
– Toma apontamentos e anota de forma organizada.
– Se sente à vontade com a informática.
Esta concede-nos “a capacidade de calcular rapidamente e de pensar de forma lógica, mais-valias para a vida adulta, sobretudo, quando envolvidas na resolução de problemas em outras áreas da vida”, sublinha José Carochinho. Se quer aperfeiçoá-la, tem de arregaçar as mangas. As médias negativas nos exames nacionais de matemática provam que esta capacidade é um dos pontos fracos dos portugueses.
O especialista sugere, por isso, que “se insista no hábito de resolver pequenas contas de cabeça e exercícios didáticos que remetam para o cálculo”. “Os professores e educadores devem propor aos jovens desafios intelectuais, enigmas lógicos, jogos matemáticos e atividades manuais com manipulação de objetos, como os que encontra no site Hypatiamat.com”, sugere José Carochinho.
3. Inteligência intrapessoal
É a aptidão para “conhecer e compreender os nossos próprios desejos, estado de humor, motivações e intenções”, escreve Gardner. “Dota-nos de uma capacidade de auto-análise que nos permite ter um elevado autoconhecimento e facilidade em nos sintonizarmos com os nossos sentimentos, valores, crenças e processos de pensamento”, descreve Túlia Cabrita, psicóloga. A sua está apurada se:
– Tem forte consciência afetiva, conhecimento dos seus sentimentos, atitudes e processos de pensamento.
– Tem consciência ética. Estabelece os seus princípios e valores morais.
– Tem facilidade em monitorizar os seus pensamentos, acções e comportamentos.
– É uma pessoa determinada e independente. Pessoas com este tipo de inteligência apurado “trabalham bem com prazos e objetivos. Muitas vezes, precisam de se distanciar dos outros, pois sentem que trabalham melhor sozinhas e em ambientes calmos, o que pode levar ao isolamento social”, sublinha o especialista.
“Geralmente, pessoas que são capazes de identificar os próprios sentimentos têm facilidade em prever como irão reagir em determinados contextos”, realça ainda, o que lhes concede maior controlo sobre as situações. Se quer aperfeiçoá-la, tem de investir mais em si.
Túlia Cabrita aconselha-nos “a desenvolver a independência e autonomia do pensamento, estabelecendo objetivos e metas concretas para um futuro imediato”. “Pode também manter-se um diário onde se registam os pensamentos sobre um determinado assunto ou situação, refletindo sobre o que se que sentiu, pensou e motivou, nesse momento”, acrescenta ainda o especialista.
4. Inteligência interpessoal
Se tem muita facilidade em interagir com os outros, compreender os seus sentimentos, motivações, intenções ou razões, saiba que é uma pessoa com uma forte inteligência interpessoal. Um tipo de capacidade que “nos ajuda a ter competência para lidar com pessoas e situações sociais”, explica a psicóloga Tânia Gaspar. A sua está apurada se:
– Tem muitos amigos e prefere atividades de grupo.
– É um bom comunicador. Gosta de iniciar e manter uma conversa.
– Gosta de elogiar.
– Desenvolve um discurso adequado à situação social e emocional.
– Aprecia atividades de cooperação, negociação e mediação.
– Compreende os sentimentos dos outros.
– Faz uma boa leitura das situações sociais, intenções e manipulações dos outros.
Os extrovertidos têm “melhores competências para comunicar, transmitir sentimentos, motivações, expetativas dos outros e dos próprios. Existe uma influência mútua entre a inteligência intrapessoal e interpessoal. O contexto social, cultural e relacional influencia o desenvolvimento das pessoas, as suas ações, pensamentos e sentimentos”. Se quer aperfeiçoá-la, ouça e observe as pessoas com quem lida com atenção.
“Esteja mais atento aos outros, ao que dizem em termos verbais e não-verbais e tente identificar os sentimentos associados. Este procedimento ganha ainda mais relevância em situações de conflito”, refere Tânia Gaspar. Para a psicóloga clínica, “desenvolver esta inteligência promove mais resoluções de conflito centradas na cooperação num movimento win-win [situação em que ambas as partes ganham]”, diz.
“O facto de termos uma especial aptidão para um tipo de inteligência não significa que teremos uma aptidão comparável noutro tipo de inteligência. Nem todas as pessoas demonstram superioridade ou são dotadas em, pelo menos, um tipo de inteligência. Nem todos demonstram uma aptidão superior em um ou mais tipos de inteligência.”
6. Inteligência musical
Mozart, Wagner, Maria Callas, entre tantos génios da música, são os maiores embaixadores deste tipo de inteligência. Teresa Leite, psicóloga especialista em musicoterapia, lembra que Gardner descrevia este atributo como “a capacidade que o ser humano tem de captar som organizado, de o processar e de se envolver ativamente em experiências musicais”. A sua está apurada se:
– É capaz de reconhecer e/ou reproduzir ritmos, melodias e cadências harmónicas com facilidade.
– Capta, com relativa facilidade, instruções de execução de um instrumento.
– Consegue conceber mentalmente uma melodia ou padrão rítmico inventado por si.
Sendo a música um fenómeno que intervém em diferentes dimensões da vida humana, Teresa Leite lembra que “o contacto com a música contribui para um modo de funcionamento psicológico mais integrado do ponto de vista neuropsicológico, intelectual, emocional e social”. Se quer aperfeiçoá-la, ouça música e vá a concertos.
Se sempre quis aprender a tocar um instrumento, receba aulas e toque um repertório que lhe dê prazer. Se gosta de cantar, inscreva-se num coro ou tenha aulas de canto e/ou cante com os seus filhos. Segundo a especialista, “desenvolver as capacidades musicais dependerá da exposição regular a estímulos sonoros, do grau de participação em atividades musicais organizadas e, como todas as outras inteligências, da herança genética”.
7. Inteligência espacial
Trata-se da aptidão para “reconhecer ou manipular imagens em grande escala ou de pormenor”. Ajuda a distinguir e a memorizar melhor a luz, as cores, as texturas e as formas dos objetos, concedendo maior capacidade de perceção visual do meio envolvente e facilidade em descrever ou representar esse mundo através da imagem. A sua está apurada se:
– Tem uma perspetiva mais holística e, até, holográfica do meio, a capacidade de perceção visual do mundo a três dimensões.
– Possui uma boa memória visual e pensa facilmente o mundo em imagens, em termos dos pormenores e da relação entre as coisas que nos rodeiam.
– A boa perceção senso motora e o domínio da coordenação óculo-manual e motora favorecem a expressão plástica.
– Tem uma forte tendência para a criatividade, com um bom sentido estético e artístico.
– Possui uma maior diferenciação das funções do hemisfério direito do cérebro, mais intuitivo, holístico, integrador e mais criativo do que o esquerdo.
As pessoas com uma inteligência predominantemente espacial serão, segundo Manuel Domingos, neuropsicólogo, “mais plásticas e abrangentes na sua apreciação da vida e do ambiente que as rodeia. Este tipo de inteligência permite uma maior plasticidade relacional e executiva, dado que a linguagem não-verbal é, apesar de se pensar o contrário,de uma riqueza qualitativa e quantitativa infinitas”, afirma.
“Estas pessoas parecem apresentar maior capacidade para formar um modelo mental de um mundo holístico”, refere ainda. “É fundamental que o todo não seja apenas a soma das partes, mas sim um constante diálogo entre elas”, sublinha ainda o especialista.
Para desenvolver o perfil eco-espacial, o contacto com a natureza é imprescindível, mas também ver filmes e fazer jogos. “Podemos observar imagens, experimentar jogos como o Tetris, o Mahajong, o Missile ou o Brick, assim como puzzles e labirintos, bem como praticar artes manuais, como origami e o tai-chi. As técnicas de realidade virtual também potenciam estas capacidades”, realça.
8. Inteligência do corpo e do movimento
Revela-se, como descreve a psicóloga Túlia Cabrita, “pela capacidade de controlar os movimentos corporais e de manobrar objetos habilmente”. Pessoas com este tipo de inteligência desenvolvido têm forte sentido sensorial, ou seja, internalizam informação através das sensações corporais. Têm bons reflexos, respondendo de forma rápida e intuitiva a estímulos físicos.
Revelam habilidade tátil e possuem capacidades de motricidade grossa e fina. São pessoas concretas. Expressam sentimentos e ideias através dos movimentos corporais. Demonstram também boa coordenação, destreza, agilidade, flexibilidade, equilíbrio e postura e revelam ainda empenho em aprender fazendo.
A concentração elevada no desempenho através da atividade motora pode “levar uma pessoa cinestésica a achar frustrante assistir a conferências, aulas, ler ou mesmo observar alguém a demonstrar uma atividade, o que pode dificultar a execução de atividades de vida diária ou profissionais”. Possivelmente, continua, “terão mais sucesso em atividades ao ar livre e que impliquem movimento, como a dança, teatro ou desporto”, exemplifica.
“Os bons processos de aprendizagem desta área terão de passar pela atividade física, manualidades e dança, aumentando, assim, o potencial de comunicar através do corpo e de encontrar soluções para situações novas que podem ser criadas e propostas”, diz. A aptidão para nos debruçarmos sobre a vida, a morte, o amor e a existência chegou a ser equacionada por Howard Gardner como um tipo de inteligência.
Por não reunir todos os critérios, acabou por não integrar a sua lista final, embora considere que se pode falar sobre ela informalmente. “É a base fundamental da criatividade, da revolução”, descreve José Góis Horácio, neuropsicólogo. “Alguns investigadores têm-na posto em causa. Primeiro, discutiu-se como ética, depois, como moral. São pessoas com uma ética muito especial”, enaltece o especialista.
“É a inteligência dos revolucionários, dos filósofos, das pessoas que acrescentam qualquer coisa ao mundo. De tudo o que é novo e que impõe mudança. Transcende todas as inteligências. Aquilo que valorizamos como a determinantes biológicas e a sociais, que nos transforma, são apenas mediações que nos permitem chegar a este nível transcendental de alguém que cria uma ideia para si e para o grupo, a partir da existência e para a existência», acrescenta.
“Iluminados, são pessoas que pertencem ao grupo dos eleitos a quem a natureza confiou um grau de conceptualização excecional. Manifestam um sentido emocional desde muito cedo, percebem que um gesto é um reflexo capaz de mudar tudo à sua volta e têm capacidade para se transcender pela importância que dão à relação com os outros. São desapegados das coisas materiais”, descreve ainda o neuropsicólogo.
A teoria das inteligências múltiplas
Temos todos os tipos de inteligência? Sim. Segundo Howard Gardner, todos temos os oito tipos de inteligência. Contudo, cada um de nós tem um perfil de inteligências com vários níveis de força e fraqueza. Excetuando casos de danos cerebrais congénitos ou adquiridos, todos possuímos os oito tipos de inteligência.
O facto de termos uma especial aptidão para um tipo de inteligência não significa que teremos uma aptidão comparável noutro tipo de inteligência. Nem todas as pessoas demonstram superioridade ou são dotadas em, pelo menos, um tipo de inteligência. Nem todos demonstram uma aptidão superior em um ou mais tipos de inteligência.
Podemos, por exemplo, nascer com um elevado potencial de inteligência corporal-cinestésica, que nos permite dominar a técnica do ballet, enquanto outra pessoa, para atingir o mesmo nível de expertise, necessitará de mais horas de estudo e prática. Mas ambos seremos capazes de nos tornar bons bailarinos, ainda que o caminho possa ser diferente, em termos de rapidez e processo.
O que mede o quociente de inteligência?
“Os testes de quociente de inteligência (QI) avaliam a inteligência linguística e a inteligência lógico-matemática e, por vezes, a inteligência espacial e conseguem prever de forma razoável quem se sairá bem na escola do século XX, não na do século XXI. Mas os seres humanos têm outras capacidades intelectuais significantes”, defende Howard Gardner no site Multipleintelligencesoasis.org.
Como explica José Góis Horácio, neuropsicólogo, “para determinar o QI, a pessoa responde a desafios de orientação verbal”. “Depois, é submetida a provas para desenvolver estratégias cognitivas na resolução de um problema maioritariamente espacial. Não é o resultado da soma das duas partes, mas a partir da relação que existe entre uma parte e a outra que se atinge o QI total”, esclarece.
“Na criança, este cálculo é determinado em função da idade”, adverte o especialista. “Por exemplo, o facto de termos um QI manipulativo ou executivo significativamente inferior ao QI verbal pode indicar que há um problema de organicidade. O órgão cérebro pensa bem, mas não consegue executar bem”, conclui Howard Gardner.
20.01.2022
Fonte: lifestyle.sapo.pt
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