Os investimentos estão mais sustentáveis, com a oferta e a procura a superarem recordes. Já existem analistas especializados que veem este segmento como o futuro, mas também alertam que há desafios.

 

Nunca houve tanto dinheiro relacionado com sustentabilidade. Dívida verde, investimento socialmente responsável (ISR) ou critérios ambientais, sociais e de governo das sociedades (ESG) nas ações são conceitos que estão a entrar em força nos mercados financeiros e, pela primeira vez, há analistas financeiros, em Portugal, especializados neste setor. Esta é uma tendência inevitável e cada vez com maior força, mas que ainda tem entraves como a falta de informação.

Oito profissionais tornaram-se, no final do ano passado, os primeiros Certified ESG Analysts (CESGA) em Portugal, no seguimento de uma iniciativa da Associação Portuguesa de Analistas Financeiros (APAF) que importa a certificação europeia. A razão é unânime: todos veem o ISR como uma tendência de futuro e quiseram estar na vanguarda.

“Os riscos ambientais, sociais e de governação são cada vez mais essenciais na análise de projetos de investimento. Ter um reconhecimento acerca dessa capacidade técnica de realizar este tipo de análises será cada vez mais relevante“. É esta a convicção de Sofia Santos, analista independente da Systemic Sphere. E é semelhante à dos restantes CESGA, onde se incluem gestores de ativos e analistas de risco.

Metade destes pertence à gestora de ativos do grupo da Caixa Geral de Depósitos, uma das entidades que em Portugal mais tem apostado neste segmento. “Sendo a temática da sustentabilidade cada vez mais percecionada no contexto da Caixa Gestão de Ativos (CXA[denominada até setembro Caixagest] como estratégica, a formação dos seus profissionais da equipa de investimento com know-how específico em investimento socialmente responsável foi definido como um pilar imprescindível a este propósito”, explica Rui Nunes, head of equities da CXA.

“Neste contexto, a formação inerente à certificação CESGA atribuída pela Federação Europeia de Analistas Financeiros (EFFAS) a alguns dos profissionais da CXA surgiu como um passo natural”, acrescenta. Além de Rui Nunes, também os gestores António Castelo-Branco, João Urbano Gonçalves e Joel Carvalheira são os novos CESGA da financeira.

Mais de 600 mil milhões em fundos sustentáveis europeus

A CXA, que tem cerca de 4 mil milhões de euros só em fundos de investimento mobiliários, definiu no ano passado o objetivo de gerir todo o montante com critérios ESG. A gestora não é a primeira a fazê-lo, sendo que a nível internacional várias gestoras de topo — como a BlackRock, a UBS, a Schroders ou a Allianz Global Investors — já definiram também o clima e a sustentabilidade como prioridade.

Do lado da oferta de produtos de investimento, o número de fundos europeus com critérios de sustentabilidade aumentou. E a dimensão destes fundos cresceu 6% para 626 mil milhões de euros, entre janeiro e setembro de 2019 de acordo com os últimos dados da Morningstar. O ritmo de crescimento compara com os 2,6% da totalidade dos fundos.

Já do lado da procura, entraram nos fundos sustentáveis 70,4 mil milhões de euros nos três primeiros trimestres do ano passado, representando 39% do total de novo dinheiro captado.

A evolução tem sido enorme e, cada vez mais, introduzir critérios ESG nas políticas de investimento dos fundos vai ser a norma no mercado de capitais“, acredita António Castelo-Branco, gestor de portefólio da CXA. “Do lado dos investidores, cada vez mais há investimentos (fundos, etc.) dedicados aos temas ESG, ou nas políticas de investimento são considerados estes temas”.

É que além das gestoras que têm ofertas específicas e metas de gestão — não só a CXA, mas também o BPI Gestão de Activos, o Santander Totta ou a BMO Portugal são disso exemplo no país –, os investimentos tradicionais também se estão a tornar mais sustentáveis, nomeadamente através da integração de critérios ou preferências ESG (na sua totalidade ou apenas num dos domínios) nos processos já estabelecidos.

“Finalmente do lado dos reguladores, cada vez mais, são definidas medidas concretas nestas áreas que ajudam a que exista mais e melhor informação acerca do ESG“, sublinha Castelo-Branco. “Há alguns anos não havia grandes preocupações por parte dos investidores e empresas. Hoje em dia, uma empresa que não reporte os temas ESG, pode ser prejudicada em termos de potencial investimento“.

Acionistas pressionam gestão a ser mais verde

A evolução do investimento socialmente responsável é importante para perceber a influência que tem nas empresas. Há séculos que os grandes investidores excluem determinados ativos por não quererem financiá-los por questões raciais ou religiosas. O tema ganhou destaque acompanhado pela emergência das questões climáticas e de igualdade, sendo que inicialmente a forma de o fazer era exatamente através da exclusão.

No entanto, esta estratégia era drástica e, apesar de ainda existir, foi perdendo destaque. “A tendência da indústria não passa tanto por exclusões e investir apenas em setores verdes, mas sim incontestavelmente pela integração dos critérios ESG nas decisões e processos do dia-a-dia, de forma a ganharem peso e expressão, acompanhando os critérios financeiros e de risco”, explica Jorge Sousa Teixeira, da BPI Gestão de Ativos e recente CESGA.

Mesmo que os ativos não sejam selecionados estritamente com critérios ESG, como é o caso da gestão indexada e dos ETF, em que as carteiras são determinadas pelos benchmarks, as gestoras (enquanto acionistas ativos das empresas) assumem-se como responsáveis e comprometem-se a exercer ativamente os direitos de votos e a dialogar com as empresas.

Há muitas empresas interessadas em melhorar na integração do ESG nos seus processos e na comunicação ao mercado. Ou seja, o ESG não pode ser visto apenas do lado do analista financeiro, mas também — e talvez principalmente –, pelo lado das empresas.

Esta estratégia de engagement é a base, por exemplo, dos Princípios para Investimento Responsável apoiados pelas Nações Unidas (UNPRI). A nível mundial congrega cerca de 2.500 investidores institucionais e mais de 80 biliões de dólares. E do outro lado — o da gestão — há interesse das empresas até porque é esta abordagem que permite que grandes investidores não abandonem por completo setores como o petróleo, por exemplo.

“Há muitas empresas interessadas em melhorar na integração do ESG nos seus processos e na comunicação ao mercado. Ou seja, o ESG não pode ser visto apenas do lado do analista financeiro, mas também — e talvez principalmente –, pelo lado das empresas“, afirma Filipe Garcia, economista, presidente da IMF – Informação de Mercados Finanças, que é também um dos novos CESGA.

Captar clientes mais jovens com retornos de longo prazo

O investimento socialmente responsável implica níveis adicionais de análise e diálogo com as empresas. Porquê então tanto trabalho? Parte da explicação prende-se com o impacto que tem. Mas há ainda outras duas razões: as gestoras consideram que é isso que os clientes procuram (especialmente mas não só as gerações mais jovens) e que a longo prazo vai compensar financeiramente. Entre 2012 e 2018, o investimento tradicional e com foco em ESG renderam igualmente 15,8% nos Estados Unidos, mas no resto do mundo, o investimento tradicional gerou um retorno de 10,5%, contra 11,1% de investimentos ESG.

É esta estratégia de longo prazo que atrai investidores de mais longo prazo, como fundos de pensões. Ainda na semana passada Christine Lagarde dizia que o próprio fundo de pensões do Banco Central Europeu será neutral em carbono e que está a ser estudada a integração de temas ESG no portefólio de ativos do banco central.

Em Portugal, também poderá haver interesse semelhante por parte do banco central. Outro dos novos CESGA é João Aguilar, head of risk management da Sociedade Gestora dos Fundos de Pensões do Banco de Portugal.

“No âmbito específico da gestão de risco, a certificação contribui para aumentar o grau de consciencialização para a exposição a riscos específicos (tão variados como o risco de obsolescência de modelos de negócio, riscos físicos associados a alterações climáticas ou riscos reputacionais) e para a definição de uma metodologia com vista à sua avaliação e monitorização frequente”, refere Aguilar sobre a razão que o levou a procurar a certificação.

O responsável pela gestão de risco dos fundos de pensões do BdP apontou ainda para a abrangência de ativos disponíveis. “O universo de aplicação de critérios ESG, anteriormente circunscrito maioritariamente aos mercados acionistas, tem vindo a alargar-se a outras classes de ativos, com particular destaque para as green bonds“, lembra.

Nunca houve tanta dívida verde. Em Portugal, há três emitentes

Green bonds ou obrigações verdes são títulos de dívida especificamente emitidos para financiar projetos relacionados com clima ou ambiente. Para entrarem nesta categoria, os ativos têm de cumprir critérios uniformizados ao nível europeu sobre o uso do encaixe financeiro, objetivos de sustentabilidade, processos internos formais de aplicação dos fundos e reporte de desempenho.

Este mercado tem vindo a aumentar de forma exponencial nos últimos anos e atingiu, em 2019, o valor recorde de 254,9 mil milhões de dólares, mais 49% que no ano anterior, de acordo com dados da Climate Bonds Initiative. Tradicionalmente, estes ativos oferecem um prémio (ou greennium) aos investidores, mas o aumento da procura está a levar a uma redução das taxas de juro oferecidas.

Portugal não se tem mantido à margem desta tendência. A EDP estreou este mercado em outubro de 2018 e já realizou quatro emissões. Estas emissões não negoceiam, no entanto, na bolsa de Lisboa, mas sim na Irlanda. A primeira linha de obrigações verdes a ser admitida à negociação em Lisboa foi a da Sociedade Bioelétrica do Mondego, uma subsidiária da Altri, no início do ano passado. Em agosto, o grupo hoteleiro Pestana juntou-se ao grupo de emitentes destes ativos.

Apesar da complexidade do tema, a aplicação de critérios ESG a ações ou obrigações é relativamente linear. Mas o mesmo não acontece com ativos financeiros estruturados ou ativos imobiliários. Joel Carvalheira, head of fixed income da Caixa Gestão de Ativos, considera que esse é o maior desafio que a indústria enfrenta atualmente: tornar esta abordagem transversal e uniformizada a todos os segmentos e ativos.

“Se toda a comunidade de gestores de ativos estiver alinhada é mais fácil. Neste momento, penso que está tudo alinhado para que obstáculos sejam ultrapassados. Hoje já ninguém é marginalizado se disser a uma empresa que não cumpre. Querer fazer dinheiro a qualquer custo já não é uma questão que se coloca. Ou, pelo menos, quem disser que não o quer fazer já não é marginalizado. Mas há desafios”, diz.

Realmente verde ou greenwashed?

A diferença entre o investimento socialmente sustentável ser uma moda ou tornar-se realmente uma prática disseminada depende de uma série de fatores, a começar pela informação. O facto de ser recente leva a que haja poucas opções disponíveis (em comparação com o universo total) e que a análise dos retornos passados seja limitada. Podem não ser garantia de ganhos futuros, mas ajudam a dar confiança.

Por outro lado, há o problema de perceber o que é realmente verde. João Urbano Gonçalves, gestor de portefólio da CXA, considera que a diretiva europeia da informação não financeira ou a criação de um sistema de classificação (taxonomia) europeu de produtos e ativos financeiros segundo o desempenho sustentável foram determinantes nos últimos anos.

No entanto, sem que haja critérios estritamente definidos pelos reguladores, há um risco mais elevado de greenwashing, ou seja o uso indevido do selo verde sem que sejam cumpridos estes critérios.

Para o evitar e lidar com a falta de informação, os grandes investidores criaram critérios próprios de avaliação. Também as agências de rating olham cada vez mais para este segmento (apesar de ainda nenhuma das agências tradicionais emitir rating específico), enquanto têm sido criadas instituições dedicadas especificamente à avaliação da notação financeira de ativos verdes.

Assim, a entrada em vigor de uma taxonomia comum e de regulação específica pela Comissão Europeia são vistos como importantes passos para este mercado. “A opinião pública e a regulação europeia serão dois grandes impulsionadores da transição para uma gestão de ativos mais sustentável, a par e passo com o crescer de evidência e estudos dos méritos destas estratégias“, afirma Gonçalves.

E dentro do próprio setor financeiro, a informação é igualmente chave. “Sem dúvida que esta certificação é crítica num momento em que se discute muito o greenwashingSe as gestoras de investimentos pretendem ser realmente responsáveis e integrar os fatores ESG, isso não se faz sem uma adaptação dos conhecimentos e processos existentes“, acrescenta Sousa Teixeira, do BPI.

 

Fonte: Eco